quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Walles (parte 3)

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Walles suava, praguejava e se contorcia dentro daquela carruagem apertada e quente. Olhou para o lado e, através da janela, viu sua égua Viola trotando junto à carruagem.
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"Por que não me deixaram vir montado?" - perguntou a si mesmo. Lembrou-se da resposta, já havia feito a mesma pergunta a Madre Mercedes antes de deixar o convento a caminho de El Paso. E ela havia respondido:
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- Índio não gosta de padre, meu filho. Índio come tudo quanto é tipo de padre. Padre gordo, padre magro, franciscano, vicentino, agostiniano. Mesmo se você não for vestido de padre, eles adivinham. Os demonho chegam e falam no ouvido desses índio encapetado: "vai lá, come aquele lá, é padre"! Quanto mais escondido você ficar durante a viajem, melhor, Walles.
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Certamente Madre Mercedes sofria de amnésia, se não, não falaria essas coisas para Walles. Ou melhor, se não sofresse de amnésia, nem abriria a boca para falar com ele, dada a maneira como chegara ao convento, aos 11 anos de idade. Sorte do padre que, àquele tempo, há quase vinte anos atrás, Madre Mercedes era mais tolerante e acolhedora.
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Walles já estava ficando cansado de tentar não contrariar a Madre caduca. Aliás, Madre Mercedes era a única pessoa a quem Walles não 'fazia questão' de contrariar, mesmo quando ela impunha coisas absurdas, como, por exemplo, que ele viajasse dentro de um caixote.
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Enquanto Walles estava distraido, remoendo pensamentos sobre seu passado, a porta da carruagem se abriu. Haviam chegado.
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- Eu só espero... - Disse Walles para o cocheiro que havia aberto a porta para ele - ...que o desgraçado que me mandou essa carruagem já esteja ardendo no inferno. Quem é o infeliz do tal Banger? - Perguntou o padre, enquanto se esforçava para sair da carruagem.
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- É aquele senhor alto de cabelos brancos ali, Sr. Padre, te esperando na porta da igreja - Respondeu o cocheiro.
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Uma pequena multidão estava aglomerada em frente à igreja, todos ansiosos para conhecer o novo padre. Mr. Banger estava à frente, com um largo sorriso no rosto.
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- Sua benção padre. - disse Mr. Banger, adiantando-se aos pedidos de outros "fiéis".
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- Ta abençoado. - Respondeu Walles com a cara fechada. E continuou andando em direção à igreja, ignorando os demais pedidos de benção.
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- Espere padre. - Disse Mr. Banger, andando rápido para se manter ao lado de Walles - Eu mostro a igreja para o senhor.
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- Meu filho, não se preocupe. Igreja é tudo igual. Se viu uma, viu todas. Eu só vou botar minhas coisas la dentro, dar água para minha égua e, depois, vou conhecer a cidade. - Disse Walles - Depois de 8 horas preso dentro daquela carruagem, a última coisa que quero é ficar preso dentro de uma igreja. - Completou o padre, falando mais para si mesmo do que para Mr. Banger.
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- Muito bem padre, o senhor é quem sabe. - Disse Mr. Banger - A propósito, fui desafiado para uma corrida, será daqui a pouco. Se quiser vir assistir, a largada será em frente ao meu bar, logo ali à frente.
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- Corrida??? Então quer dizer que estão correndo por dinheiro??? - Perguntou o padre, surpreso.
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- Ora, será apenas um valor simbólico. Uma brincadeira. Nada demais - Respondeu Mr. Banger envergonhado. Havia se esquecido de que a Igreja condenava as apostas.
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- Ah! Então essa cidade não é tão ruim quanto eu pensava! - Disse o padre sorrindo, enquanto enfiava as mãos nas vestes para tirar um punhado de moedas - Aposto 12 dólares!
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- Em meu cavalo? - Perguntou Mr. Banger, ainda surpreso com a reação do padre.
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- Não. Em Viola. Estou entrando no pálio.
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Loreta (parte 2)

Alguns dias atrás, em uma grande cidade mexicana de fronteira (o ideal, mas não essencial, é que as historinhas sejam lidas em ordem):
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Jesse e Jorge chegaram a El Paso. Estavam tão sujos e cansados que Jorge parecia até um jegue comum para quem olhava, sem o vigor que lhe era característico.
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- Chegamos na sua terra, Jorge. Quem sabe você não encontra sua família aqui.
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- iiihhh ohhhh - Respondeu Jorge.
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El Paso era uma cidade grande, seca, suja e bela. Cavalheiros andavam de um lado para o outro com seus paletós impecáveis; bêbados dormiam apoiados em mesas empoeiradas, ao lado de suas garrafas vazias; comancheiros, caçadores de recompensa, pistoleiros, assassinos, todos conviviam em uma harmonia estranha, típica de El Paso, onde parecia reinar uma certa ordem.
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De um lado as autoridades, representadas pela família Banger, concediam certa liberdade para a anarquia dos diversos tipos de indivíduos que passavam pela cidade; por outro lado, os baderneiros sabiam que, por estarem em El Paso, deveriam respeitar certas regras essenciais, principalmente para não criar problemas com o implacável Xerife Banger.
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E assim se vivia na "cidade da fronteira", nesse estranho equilíbrio entre o caos e a ordem.
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Jesse arranjou um pouco de agua para Jorge, amarrou-o, e entrou no "Bang Bar". Não demoraria muito para perceber que, naquela cidade, quem mandava e desmandava era a família Banger.
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- Buenas tardes! Me vê um copo de... água. - Disse Jesse à senhora atrás do balcão.
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- Buenas Señor. Non queres beber algo mais... fuerte? - Perguntou a dama por de tras do balcão. Era muito bonita.
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- Ahh... Não, obrigado. - Respondeu Jesse, um pouco encabulado.
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Jesse às vezes se envergonhava de si mesmo. Onde ja se viu - pensava - um cowboy procurado, com uma reconpensa de 180 dólares nas costas, montado num jegue e que, ainda por cima, não gosta de bebidas alcoólicas.
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A moça do balcão deu um sorriso enigmático. Jesse não conseguiu identificar se ela estava rindo dele ou para ele. Era mais que provável que estivesse rindo dele mesmo.
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- Entonces, qual o seu nome? Nunca te vi por aqui. - Perguntou a dama, agora estranhamente sem o sotaque, enquanto lhe empurrava uma caneca grande, cheia de agua.
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- Meu nome é David, sou do Texas. - Mentiu Jesse.
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- Tenho um irmão com o mesmo nome. E o que faz na cidade David? - perguntou a moça, debruçando-se no balcão.
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Jesse sentiu um calafrio, pensou: "Meu Deus, é muito bonita. Será que me viu chegando de jegue?"
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- Tudo bem se não quiser responder. - Falou a moça, desconfiando da demora de Jesse para falar.
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- Não, não. Não é nada de mais. Meu patrão comprou 500 cabeças de gado de um fazendeiro logo abaixo do rio. Pretendo ficar pela cidade até as águas baixarem. - Mentiu novamente.
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Loreta Banger tinha achado o rapaz do outro lado do balcão muito estranho e interessante. Era a primeira vez que trocava mais de 5 palavras com um homem sem receber uma cantada. E ele nem sequer havia perguntado seu nome.
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Loreta era uma moça alta, de 19 anos. Tinha os cabelos bem pretos e lisos, a pele morena e os olhos bem negros e apertados, pareciam muito com os olhos dos comanches que habitavam o norte da região. Não parecia nada com a falecida mulher de Mr. Banger, o que gerava o boato de que ela seria o fruto de uma aventura do xerife com uma comanche que conheceu durante a construção da ferrovia.
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- Meu nome é Loreta, Loreta Banger. Filha do xerife da cidade e dono desse bar.
- Disse Loreta, com um ar de superioridade. No fundo, tentava despertar algum interesse no forasteiro, aparentemente indiferente à sua beleza.
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- Prazer, Srta. Banger. - Respondeu Jesse, sorrindo meio abobado.
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A verdade é que Loreta não poderia despertar mais interesse em Jesse. Ele estava vidrado em seus olhos, no movimento de seu cabelo, em tudo. O nome da moça ecoava em sua cabeça e ele o articulava silenciosamente com a boca... "Lo-re-ta". Se sentiu ridículo. Pensou - "Talvez ela esperasse receber uma cantada" - Para logo depois afastar o pensamento - "Não, eu não saberia o que dizer".
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Após alguns minutos de constrangedor silêncio, com Loreta ainda debruçada no balcão, entrou um senhor bem alto, forte e moreno no bar. Tinha cabelos brancos e longos caindo pela face e, no peito, carregava uma estrela dourada onde se podia ver escrito "Sheriff".
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- Santo Deus! Tem um jegue selado amarrado na porta! - Gritou Mr. Banger, o homem alto de cabelos brancos, entre risadas, logo após atravessar a porta do bar. - O homem que monta esse animal não pode usar calças. - Completou o xerife, provocando a risada de todos.
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- O homem que monta esse animal... - disse Jesse se levantando - ...é o mesmo que o derrota em uma corrida contra seu melhor cavalo, e montado em um jegue. - Completou Jesse, segundos antes de ver a estrela no peito do adversário.
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"Caramba, é o pai dela!!!" - pensou.
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Mr. Banger se assustou com a ousadia do forasteiro, mas, passado o susto, não economizou gargalhadas.
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- Pois bem, forasteiro. Estava precisando me divertir. Vou à paróquia receber o novo padre, e depois encontro você em frente ao bar para uma corrida. - Disse Banger, depois de boas risadas. - A propósito, qual o seu nome?
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- Meu nome é Jesse, Jesse Wilde. - Respondeu Jesse, esquecendo-se de que havia se apresentado como David para Loreta.
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- Muito bem Jesse. Depois decidimos o valor da aposta. - Disse o xerife, antes de sair do bar sorrindo para ir receber o padre.
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O Fim. (parte 1)

- Corre, corre, CORRE Walles!!!
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- O que? Que porra é essa? Quem são el... fudeu!!!!
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*tá tá tá* (tiros)
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Jesse correndo como um louco e Walles correndo na mesma direção, sem saber direito o porque. A família Banger vinha atrás, montada e atirando com suas espingardas de canos longuíssimos.
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Jesse montou em seu jegue de corrida, "Jorge", e Walles, o padre, montou em sua égua mustang, "Viola". A família Banger se aproximava, cinco irmãos e o pai, parecia que sua munição era infinita, já haviam disparado mais de 100 tiros.
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- Arre, Jorge! - gritou Jesse.
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Jorge correu. Não como um jegue, mas como um legítimo cavalo de corrida. Walles ja estava um pouco à frente com sua mustang, corria agarrado ao terço que trazia no pescoço; corria e orava. Jesse se virava de tempos em tempos no lombo de seu jegue para disparar um tiro pouco preciso.
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- Atira, Walles!!!! - gritava Jesse.
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- É pecado, porra!!!! - respondia o padre.
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- Segue aquele mandamento: Não morrerás, alguma coisa assim!.
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- Esse mandamento não existe!!!
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- Devia existir... E devia existir um mandamento: Não xingareis também... Nunca vi um filho da mãe de um padre xingar tanto.....Vai Jorgeeeee!
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*tá tá tá*!!!
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Nesse momento, um tiro passou de raspão pela cabeça do padre Walles que, prontamente, virou-se para trás e disparou uma série de tiros. Walles tinha uma pistola anormalmente grande e explosiva. Raramente a usava, mas, quando usava, cada tiro fazia um barulho que poderia ser ouvido a quilômetros de distância.
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Walles derrubou dois homens. Jesse olhou para trás sorrindo e identificou os abatidos, eram Josh e David Banger. Agora eram três contra dois, uma vez que Mr. Banger, pai, ficou para trás para ajudar os filhos feridos.
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- Putz... será que eu matei? Será que eu volto la pra ver? Pobres homens. - dizia o padre, em um tom de preocupação forçado.
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- Você ta brincando!!!??? Continua cavalgando!!! E, de preferência, atirando também... - Respondeu Jesse.
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- Puta merda! Vo pro inferno! - Gritou Walles, provocando uma gargalhada em Jesse, em meio a mais uma rajada de tiros de carabina.
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O riso se congelou no rosto de Jesse. Silenciou-se. Ainda balançando no lombo de Jorge, que corria como ninguém nunca havia visto um jegue correr, Jesse levou uma das mãos às costas para, logo depois, pará-la à frente do rosto. Estava suja de sangue. Jesse ainda pôde ouvir Walles gritar:
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- Jesseee!!! - E ouviu mais quatro tiros estrondosos da arma do padre antes de sua visão escurecer.
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